terça-feira, 9 de junho de 2009

Mamãe

Perdoem a falta de originalidade no título, mas como é a minha primeira postagem, ele é inevitável.
Então é março. 1978, precisamente. Chuva torrencial, a madrugada inteira. E o dilúvio transforma o que era rua em mar, a se estender por uma área enorme, dando assim, a impressão de um campo líquido, extenso e plano. E ela sente as dores. É urgente sair mas, nesse tempo? Fará isso pela décima vez em sua vida, mas o medo de ir e não voltar é real. o vento frio, coado pelas tábuas, pelos vãos das telhas, mantém o espírito alerta. A chuva cede, mas já está tudo tomado pela água, inclusive em alguns pontos do assoalho de madeira, onde é mais baixo, a lâmina d'água se insinua. Não há onde pisar, lá fora. A dor não permite esperar mais. Ela deve sair já.
Durmo o sono despreocupado dos oito anos, mas desperto ao sentir seu beijo na bochecha, na semi-obscuridade da manhã de céu pesado. Naquele beijo, senti apenas a mais profunda ternura, que, só nas horas quietas ela nos reservava, por ter a dura tarefa de nos administrar de dia e de noite. Hoje, sei que escondia a tensão e o medo de estar fazendo aquilo pela última vez. Nascido um Flávio bochechudo, tudo fica mais alegre e tranqüilo, as horas de medo e angústia esquecidas.
E os pequenos, ao seu redor, nem podem imaginar a incerteza das horas anteriores, nem ela permitiria que tão obscuros pensamentos invadissem aquelas cabecinhas puras, assim, tão cedo. Essa mamãe...

Um comentário:

jorge disse...

Tem uma de nascimentos que jamais vou esquecer! Como a mamãe precisava ter os rebentos em casa (a Santa Casa de Misericórdia era um risco pra saúde), depois que a vovó vinha ajudar a tomar conta da gente, depois do almoço a vovó preparava um gostoso vinho tinto com água e açucar e dava pra mim, pro Zé, pra Nen, pra Fátima... e aí nos ficávamos beleuza, tontinhos de sono e dormiámos à beça, deixando a mamãe descansar. Era colocado um lençol preso em corda de varal no quarto de baixo, separando o corredor, por onde a gente olhava tentando ver a careta dos pimpolhos recem chegados à casa. Mas, faz poucos anos que a mamãe veio a saber que a vovó botava a gente porre nessas datas... Mas essa é outra história que vou contar depois!!! Foi hilária a situação em que isso se deu!