terça-feira, 22 de setembro de 2009

Do que a terra, margarida-Crônica da semana-Raimundo Sodré

Ainda rola na internet a performance da Vanusa, interpretando o hino nacional. De vez em quando, dou uma passada no vídeo, tentando encontrar uma razão para aquela descortesia cívica (na verdade, a gravação é de março, mas bombou mesmo agora, nas manhãs de setembro, na esteira das comemorações pela Independência). Difícil, uma explicação para aquele deslize, né. Mas a Vanusa até já apareceu na mídia, tentando ponderar, jogando a culpa nuns remedinhos aí. O que é certo, mesmo, é que ela grafou na sua biografia um mico deste tamanho. Uma pena!
A trajetória musical de Vanusa data da Jovem Guarda. Começou a cantar em meados da década de 1960. Com seus cabelos loiros jogados sobre os olhos (o que, segundo a minha mãe, provocava uma irreversível constipação na vias respiratórias, e isso era o que explicava aquele timbre anasalado na voz da cantora), conquistou fãs e apaixonados no mundo do iê-iê-iê. Mas não só neste mundo. A voz educada e de animada sensualidade permitiram-lhe outros ritmos além das modas e ela se consagrou como umas das grandes cantoras do Brasil. Subvertendo conceitos, foi finalista do Festival da MPB de 1969 com a ousadíssima “Comunicação”, de Edson Alencar e Hélio Gonçalves Mateus e cunhou sua marca em canções eternas como “Paralelas” do (este também, recentemente, exibidíssimo nos vídeos da internet) Belchior. E foi além: consolidou a carreira com sucessos autorais como “Manhãs de setembro”, em parceria com Mário Campana.
Uma vencedora (e por causa da influência da cantora, quantas jovens senhoras temos hoje pelas ruas do país respondendo pelo nome de Vanusa). Uma cantora de reconhecidos méritos. É certo que foi interceptada (mas não totalmente vencida) pela modernidade e por uma profusão de mediocridades, assombros e arremedos sonoros que dominam o país.
Pelo agradável e afinado legado, a cantora tem muito crédito comigo (e porque também me apaixonei por ela). Por isso, vou relevar e esquecer a história do hino. E, sabe, quem nunca errou um isso ou um aquilo do hino? Aquela parte da margarida, então: “do que a terra, ‘margarida’...” é um pecado que muitos de nós carregamos. Olha lá...E aquele silenciosinho depois do estribilho, quando ninguém sabe se o verso seguinte é “Deitado eternamente...” ou “Brasil, de amor eterno...”. Olha lá a sinceridade na autocrítica!
Por essas e outras, é que perdoo a Vanusa, e aceito que a culpa dos transtornos, dos lapsos e das releituras poéticas, foi dos remedinhos, mesmo.
Os ritmos e as manhãs de setembro nos trazem, porém, muito além do que as (risonhas e límpidas) pixotadas impatrióticas da Vanusa.
A manhã do dia 11 de setembro nos alertou para a intrigante chegada, pelas mãos criadoras de Guimarães Rosa, de Diadorim: “Da matriz de Itacambira, onde tem tantos mortos enterrados. Lá ela foi levada à pia. Lá registrada, assim. Em um 11 de setembro da éra de 1800 e tantos... O senhor lê. De Maria Deodorina da Fé Bettancourt Marins – que nasceu para o dever de guerrear e nunca ter medo, e mais para muito amar, sem gozo de amor...”.
E o “sol da liberdade em raios fúlgidos” brilhará na próxima terça-feira, dia 22, exatamente sobre a linha do Equador marcando o Equinócio e trazendo a Primavera (e os pampeiros de verão) para a porção meridional do planeta. A estação das flores, tão incompreendida entre nós, mas que se anuncia recarregando de límpidas folhas, a samaumeira da Bernardo Sayão; desprendendo as primeiras mangas dos galhos carregados e desenhando um inspirado cenário como este descrito pelos versos de Tatiana Veríssimo: “O jambeiro/tece na frente da minha casa/um tapete cor-de-rosa...”.

2 comentários:

Cássio de Andrade disse...

Bela crônica. Tirou de onde, Zé Maria?

José Maria disse...

Recebo-a toda semana. É do Raimundo Sodré.Ele a publica toda semana no O Liberal.Ele me autorizou postar aqui.