Não foram fáceis, aqueles três anos seguidos, de doença e incerteza quanto ao futuro. No Réveillon de 87 para 88, estávamos sós em casa, quando todos tinham saído para comemorar. Ele vem, me abraça forte e diz no meu ouvido, em prantos: "filho, deste ano eu não passo". Surpreso, e ao mesmo tempo impactado, não pude responder mais que um "não diga isso, pai, não esquente..."
De fato, o nosso astral era muito ruim. O processo de adoecimento não fica restrito ao paciente: se estende à família, dos pequenos aos grandes. Era a minha passagem para a vida adulta, na forma mais dolorosa possível. Sem querer reconhecer o fato inevitável da morte cada vez mais próxima, ficávamos tensos, buscando confortá-lo. O que mais se podia fazer, se o próprio médico já tinha sentenciado para a mamãe:
- Leve seu marido para morrer em casa...
Então, lembro com orgulho, o grande número de pessoas que veio à sua missa de corpo presente, e na manhã seguinte, a pedido do Miguelão, a oração da multidão de crianças, junto ao corpo, antes da missa das crianças, como um coro de anjos caboclos, um bocado deles mirradinho e queimado de sol... E por fim, o enorme cortejo que se formou, com carros, até o cemitério. Parecia enterro de figurão, pensei. Ele teve uma homenagem à altura. Afinal, muitos se surpreendiam com a bravura de alguém que não tinha perdido um filho sequer, para a fome, a doença, o crime.
Ele fez falta. Porque muitas e muitas vezes depois, tive o impulso de abraçá-lo e só tinha um vazio diante de mim. Porque chegava da rua e queria perguntar por ele. Até se viesse me esculachar eu ficaria contente...
O edifício da vida continuou a se erguido, depois que ele se foi. Ficamos com a dor, mas como disse Adélia Prado, a dor não é o mesmo que amargura. E passa.
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