domingo, 15 de novembro de 2009

Crônica da semana - Raimundo Sodré


Esses franceses...


“Estamos no ano 50 antes de Cristo. Toda a Gália foi ocupada pelos romanos...Toda? Não! Uma aldeia povoada por irredutíveis gauleses ainda resiste ao invasor...”.
Assim, com esta explicação, começam as aventuras de Asterix, o gaulês. O herói, criado há 50 anos pelo roteirista René Goscinny e pelo desenhista Albert Urdezo, vive numa pequena aldeia à beira- mar, encurralada pelas guarnições do exército romano. Ajudado por companheiros pra lá de especiais e por uma poção mágica que lhes garante um poder sobrenatural, Asterix e seus camaradas não se rendem e aprontam poucas e boas aos legionários de César.
(Meu primeiro contato com as revistas do Asterix foi em Rondônia. À época, a publicação contava com 27 edições. Todo mês eu pegava uma graninha e comprava um exemplar. Quando vim de férias para Belém, cheguei todo metidão, com minha coleção completinha: dias antes havia conseguido na Livraria da Rose, em Porto Velho , o mais recente lançamento, “O Filho de Asterix”.
Hoje em dia, conhecemos as aventuras de Asterix por causa de algumas estrelas como o ator Gérard Depardieu, que vive o intrépido Obelix nas versões para o cinema, e também por algumas produções em desenho animado. Mas o bom mesmo, para mim, são as edições impressas. Há uma certa magia na criação. O traço desenvolto de Urdezo e o texto bem-humorado de Goscinny são impecáveis, fascinantes. Há também, o fato de as edições serem únicas, especiais e historicamente bem argumentadas. Estes pormenores nas publicações se refletem, é claro, diretamente no preço. Um exemplar composto de aproximadamente 50 páginas, hoje, é bem carinho para os padrões de consumo de um operário que vara os dias e as noites pensando num jeito de trocar a geladeira que já está naquela fase de ter a porta amparada por um eficaz e multiético tijolinho.
Mas, naquele distante ano de 1984, eu desembarcava em Belém, de férias com a bagagem cheia de Asterix. Vinte e sete exemplares reluzentes, sem vincos. Só que não falei nada daqueles pormenores pra mamãe. Arrumei as revistas em uma caixa junto com alguns jornais e fui matar a saudade da minha Belém querida.
E eis que numa dessas minhas escapadas, passou lá por casa, um comprador de jornal velho. Daqueles que antigamente iam de casa em casa comprando papel. O golpe foi fatal. Mamãe pegou minha caixa e despachou a minha coleçãozinha de Asterix’zinho por uma merreca. Hoje seria coisa de um Real o quilo. Dá pra imaginar, né...Se existiu um zinho completamente desnorteado por aqueles dias, este um fui eu).
A Gália era uma região que hoje, corresponde à boa parte da França. Asterix, de certa forma, representa a natureza heróica do povo francês. O guerreiro resgata a altivez do líder Vercingentorix, cujo ato de depor as armas diante de César, mais o engrandeceu do que o deprimiu.
A teimosia de Asterix reverbera entre os franceses. Ecoa pelos escaninhos de Nanterre, lembrando maio de 68 e as palavras de ordem de Dany le rouge. Exibe-se nos lábios revoltosos de Brigitte Bardot e de Isabelle Adjani; no olhar arrebatador de Alain Delon e no sorriso indecifrável de Juliette Binoche. Traduz-se numa França cheia de inquietações e se reproduz em Zidanes argelinos.
Subversão que se desenha nos modelos de Chanel e Yves Saint Laurent. Desvela-se em Piaf, em Carla Bruni. Impõe-se na defesa intransigente da língua mater de Jeanne d'Arc. E que se denuncia ante a genial sonoridade de Ravel.
Asterix é um pouco da Revolucionária vontade (irrigada pela fluente coragem de Danton) que resistiu por entre os escondidos de Paris e que destronou os invasores nazistas.
Como diria o Obelix: “Esses franceses são...demais!”.

(Vou conseguir um dinheirinho e na Feira do Livro deste ano, vou começar outra coleção dos adoráveis gauleses).

Nenhum comentário: