sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Canto no Rio. (Flávio Dias)

Não me lembro quem contou este conto regional, estória genial de um pobre pescador e que hoje me faz sorrir, no que nela percebi.
O casquinho viajava pelas ondas da estrada, em seu bojo carregava, três parrudos ribeirinhos. Três estranhos indivíduos: Cabocão, Capa Preta e Bola Oito.A pesca não fora farta, dolorosa e lamuriosa.
Tinham falado sobre bacaba, tapioca e pirarucu, seguiram amuados por ter laçado dois carás e um pacu. Um deles reagiu, saiu do seu lugar e na popa foi cantar. Para tentar, seus males espantar. Latia como cachorro sem dono, abrira o goeleiro e crente que agradava, parecia taquara rachada.
Nobre diabo, se não estivessem sem forças e doentes de malária, seus companheiros de tarrafa o teriam jogado às piranhas.
Tremiam como vara verde de bambu.
Seu cantochão furibundo, fala de mitos e mentiras, bichos que falam e índios de zagaia:

“Tatu virou pintada, onça parda bugiou...

Macaco aranha é preguiça, que tem medo dágua fria... Yara é guardiã da mata, pune, mata quem dela ri. Curupira mora no rio, neste mar que me levou.

Vira canarinho berrador.

Boto devora gente, grita que nem demente...

Mapinguarí guarda floresta,

Emprenha moça em festa e foge de jabuti.

Matinta carrega vela em noite de chuva fria...

Cobra Grande é matreira, vira homem, vira lobisomem.Vira canoa de pescador, faz pegar mixaria que é cará e um pacu. Olho gordo que é só do gato baiacu’’.

Eta melodia porreta desse filho duma égua, quando mudo se aquietou, para felicidade do mundo e dos ouvidos alheios. Intrigados com aquela postura de inércia fizeram muitas perguntas que não tiveram respostas.
Uma marola comprida fez pular a canoa como cavalo chucro, galo rinhento que virou.
-rema, rema, remador! Ô povinho devagar, ô cambada da mão torta! Rema, rema, remador! Vai pra frente que atrás vem gente! Remai, remai, remai!
Eta grito salvador do cantor, suado, desesperado e acuado. Perseguido pela boiúna que emergira das águas escura, besta sem brio, não se via na atroz negrura seu perfil feroz. Viam á caçá-los dois faroleiros olhos, maliciosos e assassinos.
Os maroleiros punham força e ardor no barco voador, os caboclos amuados, tinham pavor dos horrores que tal besta desperta. Os gritos se misturam ao querer escapar da morte certa, rio sinuoso e tranqüilo, espelho de calmaria, era agora correnteza de virar com certeza casca de noz. Vai pro fundo e não volta Três parrudos ribeirinhos, três estranhos indivíduos, chegaram na praia quebrados, quase são esmagados.Perda total do casquinho, dois carás e um pacu.Foi olho gordo do gato baiacu neste fim de conto de um pobre pescador.

5 comentários:

Artur Dias disse...

“A perplexidade é estar no mundo - com todas essas perguntas que se acumulam; o fato de ser transitório; a existência e não-existência de Deus; o problema da condição humana. Vivo num mundo em que quase não há resposta. Não sei onde começo e onde termino. Sequer sei se existo, no sentido de ter uma existência nítida, com fronteiras definidas.Talvez o meu mundo seja o mundo da ambigüidade."
Ledo Ivo, em entrevista a Geneton Moraes Neto, no G1

GABRIEL disse...

ESTAMOS NO MATRIX.
OHHHHHHHHHHHHHHHH

José Maria disse...

A poesia de Ledo Ivo é excelente, mas meio depressiva.
Prefiro Mario Quintana, ironizando a morte e vendo poesia até num gole água.

Eduardo Dias disse...

O Flávio, só prá gente ficar na torcida, está se preparando para o vestibular em Letras, novamente. Pelo que vejo, acho que será a praia dele certamente.

jorge disse...

Putz! Nunca vi um texto tão porreta quanto esse a carregar realidade e folclore juntos brilhantemente. Lembro bem das histórias contadas por tio Zéca sobre essas assombrações de dentro dos rios do Pará. Lembro do papai e da mamãe falando sobre um parente que subiu numa buritizeiro para fugir de cobra grande e do impressionante final da história:
"No chão de tabatinga ficou a marca da barriga da cobra, larga como a marca de uma canoa no chão..."