sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Do Xapuri ao arquivil - Crônica da semana - Raimundo Sodré

Em 2007, publiquei uma crônica lembrando o Dia do Geólogo. Foi uma forma de homenagear a garotada do meu curso, mas também de prestar tributo aos profissionais a quem me apeguei quando me batia no ofício de Técnico em Mineração (uma profissão um tanto discreta, diga-se. Pouco compreendida, mas que teve seus quinze minutos de fama no curta-metragem “Dias”, do paraense Fernando Segtowich, onde o atormentado personagem principal, interpretado pelo ator Adriano Barroso, é colega de profissão).
Na crônica, citei alguns geólogos que estiveram presentes no batente, como orientadores ou como companheiros nos porres homéricos pela solidão das noites amazônicas.
Por coincidência, exatamente no dia em que a crônica saiu na coluna, fazia uma conexão em Belém, o geólogo Alcídio Pinheiro Ribeiro.
“Dias” depois, recebi um e-mail do Alcídio comentando a coincidência, celebrando o nosso reencontro (havia mais de 10 anos que não tínhamos notícia um do outro) e externando seu descontentamento por não ter sido citado na crônica.
Reclamou com razão. Inclusive com argumentos literários. À crônica, cabe o registro contextual e emocional dos fatos. E não tive o cuidado, na ocasião, de inserir o Xapiru no texto. Mas me justifico dizendo que o Alcídio, em poucas oportunidades esteve presente. Eu convivi mais com o Xapiru. Esta a questão: para integrá-lo ao texto, teria que explicar o porquê do apelido, o que me levaria um bocadão de espaço aqui na coluna...
Quando o ‘Alcídio’ (que para mim, hoje, é um novo amigo) chegou em Rondônia, havia o fato curioso de termos, na mesma empresa um geólogo e um técnico naturais do Xapuri, no Acre (o que convenhamos, era um fato raríssimo, primeiro porque a maioria dos acreanos ali, era peão; segundo, dois graduados acreanos no mesmo canto? Huummm...Acreanos?...). O técnico era eu e o geólogo, o ‘conterra’, Roberto Matias. Alcídio sacou aquele fato inusitado e além de identificar a curiosidade, zombava da gente por causa do nome da nossa cidade natal. Fazia questão de errar a pronúncia. E, conscientemente, falava Xapiru, quando se referia ao nosso querido Xapuri. Pra quê... Logo, o feitiço virou contra o feiticeiro e o neologismo Xapiru, passou a ser nome próprio com a missão única de identificá-lo. Então, já sabe, quando eu mencionar aqui, o Xapiru, queiram entender o, agora doutorando, Alcídio Pinheiro Ribeiro.
Mas, meu querido Xapiru, não podemos nos ater às veleidades. Uma crônica, segundo os teóricos, desmorona sob o peso da temporalidade. Não resiste a um ‘day after’ (embora eu saiba que não é bem assim. Muita gente recorta e guarda o texto, comenta no dia seguinte, manda e-mail...). O certo é que uma crônica tem limites e objeções. Não encerra em si, toda a verdade (e às vezes está mesmo é apinhada de férteis mentiras).
A verdade é que, na universidade, sempre falo no Xapiru. Agora, os meninos, para fazer um mapinha recorrem aos programas mais avançados. Relato aos colegas que naqueles tempos, o Xapiru dissertava traços elegantes sobre o vegetal, sobrepunha perfis com engenhosidade e reconstruía o interior da Terra com uma imaginação invejável. Era um artista admirável. Dotava de um certo charme, a sintaxe geológica. Botava, com larga facilidade, qualquer arcmap no bolso. A ele, bastava uma nanquim, um par de esquadros, uma caixa de lápis de cor e pronto, a gente desvendava, de prima, os esconderijos secretos dos vis metais.
Hoje, constatei, domado pela sensaboria tecnológica, ele nos priva dos seus traços (o que é uma pena) e lança mão do arcview. Mas assim, sabe, sem perder a ternura, reconheço.

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