quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Crônica do R.Sodré

Pedacinho de céu
Nessa última semana, eu passei os dias assistindo ao filme “Sete anos no Tibet”. Foram alguns dias, sim, porque voltei umas quantas vezes a fita, para apreciar as belas paisagens e para refletir sobre a sequência em que umas das personagens define o montanhismo dizendo algo como “escalar montanhas é um prazer muito bobo”. Esta frase é disparada contra o alpinista Heinrich Harrer (interpretado pelo aporcelanado Brad Pitt) que, imerso em gélidas vaidades, abandonara a mulher e um filho prestes a nascer, para escalar o Nanga Parbat, a nona montanha mais alta do mundo, cujo cume foi alcançado pela primeira vez em 1953, não sem antes enfileirar uma legião de vítimas.
O Economista David Correia Silva, meu amigo aqui da Vila dos Cabanos compartilha da opinião da tibetana com muita precisão. Em algumas das acaloradas discussões que travamos sobre essas coisas doidas da vida, o economista arremata: “os alpinistas são uns desocupados”. Aí a coisa pega fogo, e eu fico tiririca com o David, porque sou um admirador dos alpinistas. Sou um entusiasta do esporte e não fossem algumas óbvias limitações como a falta de um terceiro pulmão, por exemplo, eu já teria me abalado a uma aventura nas montanhas (mas não joguei a toalha ainda e tenho a maior fé que, mesmo que seja a última coisa que eu faça na vida, ainda vou escalar uma dessas montanhas famosas...Admito que, se eu for me enfiar neste meu preparo físico de jogador de Ludo, com certeza vai ser a última coisa mesmo).
Entendimentos diferentes sobre a arte de escalar picos gelados, concordamos, no entanto, que as montanhas exibem-se como um dos mais belos e fascinantes elementos da paisagem do planeta. Compõem os registros atuais das forças atuantes no interior da Terra. Traduzem a dramaticidade e a brutalidade dos conflitos entre as placas abissais. Elevam-se por imposições tectônicas, soerguem-se em relevos rebeldes, atrevidos, descontentes. As montanhas são a transcrição de um planeta inquieto.
Realmente, as montanhas atestam em si, a realidade de uma natureza enérgica, imponderável. Estes temerosos fatores genéticos, estes desafios, estes ruídos de uma história geológica que está sendo contada são componentes suficientes para ativar a adrenalina no coração de apaixonados aventureiros. Eu diria que além de expressar um inexorável enraizamento, um aprisionamento de corações e mentes, as montanhas simbolizam, também, a liberdade do espírito. Vão até pertinho de Deus. Um homem que sobe as montanhas, trava uma luta contra os planos da natureza, mas ao mesmo tempo, aceita, com obediência, entregar-se aos insondáveis desígnios dos céus.
Penso não ser somente a adrenalina que leva um alpinista às alturas. Um pedacinho do céu o inspira.
Nas montanhas, um herói pode virar uma vítima a partir dos 2.800m de altitude. Neste ponto o organismo passa a ter dificuldades para absorver o oxigênio e a conseqüência desta debilidade pode ser a morte. Para vencer os 8.125m do Nanga Parbat o indivíduo passa por várias fases de adaptação, em altitudes diferentes e cada vez maiores. A aclimatação demora. A escalada leva tempo. A pressa não existe (e como diria o David, se não há nada pra fazer lá em cima, pra quê pressa?).
No filme, o Brad Pitt não vence o Nanga Parbat . Mas na vida real, eu já estive a alguma coisa perto de 1.200m de altitude, num lugar chamado Lavras Novas, nos arredores de Ouro Preto. Tava um friozinho lá em cima. Naquele dia, ganhei o meu pedacinho de céu.
Mas, embora eu não ache que escalar montanha seja “um prazer muito bobo”, fui de carro.

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