A hora do planeta
Uma campanha organizada pela WWF Brasil nos convida para, logo mais, às 8 e meia da noite, apagarmos as luzes da casa. O movimento propõe, ainda, que a gente fique, assim, no escuro, por uma hora. Esta manifestação faz parte do calendário anual de ações preservacionistas globais e procura chamar a atenção para o, cada vez mais verdadeiro (e assombroso), aquecimento do planeta. Mas olha! Este blecaute sugerido me caiu bem no dia em que comemoro 4 anos assinando a coluna Bom Dia de O Liberal. (E eu todo etiquetado para uma comemoraçãozinha mais tarde: uns amigos próximos, fãs fidelíssimos, declamação de poesias...leitura das minhas ‘dez mais’ publicadas aqui no Magazine, desde aquele eminente 27 de março de 2006; um destilado and rock pra ajudar na inspiração, um vinil chiando baixinho, ao fundo).
Tem nada não, vou dar um tempo no comprometimento etílico-literário, vou prolongar a nossa reuniãozinha e reinventar a prosa, nesta horinha de breu (puro escuro mesmo, já que nem vela vou acender). Vamos ficar ao tempo e às sutilezas, procurando ouvir a voz do coração, algum recado das estrelas...
Taí, será um bom momento para refletir sobre as discussões atuais que vingam aqui no Pará, e que envolvem a crença absoluta na utilização dos recursos hídricos como a principal fonte geradora de energia elétrica.
Belo Monte está na ordem do dia. Foi-não-foi, a gente vê uma manifestação contra. Daqui, pra’li, uma a favor. O debate está acalorado (olha o aquecimento aí), está nas esquinas, nas escolas. Alguém tem sempre uma opinião sobre o tema. A construção de uma hidrelétrica no Xingu, se não fizer todas as diferenças no desenvolvimento do Pará, por agora, ao menos já produz uma crescente noção de comprometimento e cidadania entre nós, os habitantes da floresta.
Parece não ter nenhuma relação a usina do Xingu, o blecaute logo mais, com os meus 4 anos na coluna. Mas tem sim. Eu trabalhava em Altamira, nas pesquisas pioneiras para a barragem quando escrevi a minha primeira crônica. Por aqueles tempos, gostava mesmo era de poesia. Séria, romântica, social. Tinha conseguido umas premiações modestas, era letrista do grupo Hera da Terra, transitei até por algumas construções concretas. Mas aí, numa carta para o meu irmão Edir Gaya, que estava aqui em Belém, experimentei um texto que chamei de “uma crônica psico-burguesa”, que trazia um certo despojamento na escrita, inspirado na turma do cartun paulistano (o Angeli havia utilizado a expressão ‘psico-burguês’ para definir um personagem dele). Agradou-me o resultado, e daí...
O interessante, é que esta crônica, desde aqueles tempos, não ganhou nenhuma publicação. Sobrevive ali, no original, manuscrita em garranchos ilegíveis. Teima em manter-se na escuridão (olha o blecaute aí). E eu, só olhando pra ela, admirando, refletindo e querendo entender como a fiz nascer. Não publiquei, não porque ela é fraca ou anacrônica. Ela até que é bacaninha. Não publiquei, por que, não sei.
(Sei apenas que Altamira, mesmo sem barragem, me mostrou a luz da minha primeira crônica e me mostrou também a energia que brotava do fundo dos olhos da minha querida Cléo.
Cleonice Farias apareceu pra mim, na hora em que eu regava o jardim da casa em que eu morava em Altamira. E virou flor. Entrou na minha vida para nunca mais sair. Doce e dedicada, foi a mão a me guiar pelas margens do Xingu. Foi a minha família, a minha segurança. Meu amparo e minha lucidez. Fui adotado por ela como irmão, lá em Altamira. Depois, nos encontramos em Belém. Enfrentamos momentos difíceis. Chegamos a dividir um ovo frito no jantar. Mas de jeito e maneira, fomos infelizes por causa dos apertos).
À noite, vou apagar as luzes de casa por uma hora e vou pensar na importância de uma amizade como a da Cléo, na essência de uma crônica não publicada, na necessidade da luz elétrica, nas intenções da WWF.
E, sobretudo, vou pensar na relevância de todas as coisas que não sei.
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