segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Crônica da semana - Raimundo Sodré

Índios


Éraste, parece uma coisa. Olha essa: tava aqui, ante um teclado silencioso, tentando iniciar uma crônica...
Aí fui buscar um dia, lá em Altamira quando Antônio, todo satisfeito, mostrou uma música do Renato Russo. E não é que a música tocou agorinha, no rádio. Parece que a providência guiou o programador musical para que a lembrança do Toninho viesse para mim, mais pura, mais verdadeiramente agradável, embora intolerantemente saudosa.
A música que toca agora é “Índios”, gravada pela banda Legião Urbana no álbum “Dois”, em 1986.
O antropólogo Antônio Pereira Neto chefiava a Administração Regional da Funai, em Altamira, quando o conheci. Nos encontramos de verdade, mesmo, em Altamira, mas tínhamos um quê de andarilhos, de trecheiros, que nos aproximava os espíritos. E foi assim permeada de encontros reais e virtuais por estes rincões amazônicos, que a nossa amizade aconteceu objetiva e sincera.
Soube do Toninho, pela primeira vez, lá no oeste do Brasil. Ele trabalhava no Acre e eu, em Rondônia. A seguir, vim para Altamira e o Toninho já estava lá na Funai. Ali, entabulamos as nossas conversas mais espirituosas e partilhamos amizades grandiosas. Nesse período ocorreu aquela cena por tudo edificante, em que o Toninho cantou, ao violão, a canção do Renato Russo. Tantas emoções. Histórias de perseguição política, do redimensionamento da prática indigenista, do confinamento e do desaparecimento pelos ermos da floresta construindo um conceito de aproximação e contato com os índios. Quantos gritos guerreiros se traduziam e se reproduziam ali na voz do Toninho, naquela noite, às margens do Xingu. Naquele momento a vida grandiosa do
 Toninho se desvelava para todos nós. Naquele instante os espíritos da floresta guiavam o seu canto e nos mostravam que ali havia um homem inspirado (tal qual o mais belo índio, da mais bela tribo) e com muito amor no coração.
Acho que por estes caprichos naturais (ou sobrenaturais. Sabe-se lá os porquês das vibrações e vontades das ondas de rádio), a canção toca agora e reconstrói o momento. Uma coincidência. Mas um fortuito lance de bem, de conforto, de saudades aprazíveis, boas de sentir. Não me impressiono. Apenas o compromisso da lealdade pousa sobre mim e traz para o meu íntimo um orgulho deste tamanhão de ser digno da amizade de uma pessoa detentora de tantas e espetaculares virtudes (como tocar bem um instrumento).
Depois de Altamira, nos encontramos em Belém. Toninho, na Funai, e eu, batendo perna de pastinha na mão procurando emprego. Um período de sufoco que foi, graças ao bom Deus, breve e logo eu já arrumava as malas e me mandava para Macapá. Lá no meio do mundo, encontrei o Toninho novamente, super atento e entusiasmado com a certeza dos índios Waiãpi sobre a criação de uma humanidade de origem única, o que nos levaria a todos, sermos “parentes”.
Em Macapá, testemunhei a alegria de Toninho e da Lúcia Helena com a chegada da pequena Maíma Katu (e guardo com muito carinho a foto de Maíma recém-nascida no colo de minha mulher Edna. A chegada do bebê marcou muito para nós. Foi a partir daquele momento, daquele clima de renovação, que decidimos também, ter o nosso filho).
De Macapá, vim bater aqui em Barcarena. Toninho ficou ainda um tempo lá. Foi para Brasília e posteriormente, voltou a assumir a Regional da Funai em Belém.
Não pude vê-lo em Belém. Mas guardo, com muito carinho e respeito os momentos em que nossos corações se cruzaram pelos sem-fim da floresta. Guardo também a certeza de ter convivido com um “parente” competente, sensível, perseverante, valente. E que fez um bem enorme à nossa aldeia.

Um comentário:

Clara Amorim disse...

eeei vcs nao vao atualizar o pirao nao?

to com saudades das historias e videos de familia...

baccios a tutti