sexta-feira, 2 de abril de 2010

D.Bibi

Por Cássio Andrade

Belém, Passagem Santo Antônio, São Brás em fronteira com Canudos (ressalte-se que a passagem era e é em forma de “T”, ficando a residência de minha família na parte de São Brás), todos os dias, entre 4 e 5 da tarde, sempre antes do “Sítio do Picapau Amarelo” e do “Clube do Míquei”, e quase sempre na hora da chuva, vários “times de dois” disputavam cada centímetro de espaço em nosso gramado improvisado: uma nesga de terra molhada, entre a vala e as batentes das casas. Vários, pelo fato de disputarmos os gols nas travinhas cujas balizas poderiam ser de latas, pedras e no limite sandálias cariri e tamancos. Usávamos naquela época o conceito moderno de reciclagem do lixo e material orgânico. Cada equipe formada por dois jogadores pelos parcos limites do campo onde a calçada era usada para dar o chagão no adversário ou tabela – só não podíamos usá-las para o gol direto (afinal, tínhamos nossos códigos éticos). Outras regras também despontavam nos consensos e conflitos mediados entre socos e pontapés, arbitrados pelo mais forte da turma: não podia marcar a trave, não podia fazer gol de uma trave a outra e era proibido escanteio. Faltas, só as que tirassem cascões das perebas oriundas das picadas de carapanãs, quase sempre acompanhadas de sangue e pus. As interrupções eram constantes para dar passagem aos mais velhos, às grávidas, às gostosas, às mães e país (se fossem nossos). O resto, não se parava nunca. à exceção, era o “fura-dedo” (não sobrava um em campo). O nosso medo maior: D. Bibi. Moradora de uma das casas, já na fronteira com a vala, adorava cortar ao meio nossas bolas. Era um verdadeiro sacrifício de nossas “dentes de leite”, “Cariri”, “Droganossa e Beirão” (rede de farmácia do J. Rossy que entregava bolas de brindes a seus clientes), “pênaltys” (na primeira caída de vala, sobravam somente as primeiras letras) e outras marcas menos conhecidas. Não escapavam nem as bolas de plásticos coloridas do “Alecrim da Beira D’Água”. Ah, D. Bibi! Fantasma não exorcizado de nossos medos… Que sanha irracional a tão malfadado costume? Assistíamos incontinenti o sacrifício cruel de nossas parceiras, solidários a sua dor, como as virgens sacrificadas dos astecas. D. Bibi não perdoava. Mármore frio, sempre à espreita com sua faca comprada especialmente para esse fim. Sim, pois não conhecia igual na redondeza. Brilhava em meio à quase escuridão do lusco-fusco, potentosa e com seu cabo marrom, como a cabeça de um falcão sanguinário. Soube que recentemente, faleceu D. Bibi. Perdoem-me seus filhos e netos – muitos amigos de minha família – mas, tenho certeza que o sangue das inocentes esquartejadas, há de ser vingado. Se não foi nesse, mas do outro lado, com certeza… E chegará o dia em que o Arquiteto do Universo com a bola do mundo nas mãos proferirá a sentença eterna. Ah se vai!

3 comentários:

Artur Dias disse...

Foi assim que se instituiu a profissão de "destocador". Para quem não sabe, "destocador" é o profissional que arranca os tocos de pau que sobram duma limpeza de roça, após a capina e a queimada. Procede-se a escalação de um time de cabucos brabos das bandas de lá, cujo requisito é ter o pé rachado e as unhas grandes, além de gostar de dar umas bicudas violentas na bola ou, na falta desta, nas canelas dos adversários. Como doenças ocupacionais, o destocador sofre de CC, bicho de pé e boca suja, que nada tem a ver com o hálito, e sim com os palavrões que costuma emitir bem na face do adversário depois de uma dividida, acompanhados de perdigotos. Como se vê, o mundo masculino também é cultura.

Artur Dias disse...

Será que precisa explicar como trabalham os destocadores?

José Maria disse...

Coitada da d.Bibi...