segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Crônica da semana - Raimundo Sodré

O buraco da palmeira é mais embaixo
Em janeiro, dediquei as minhas escrivinhações de sábado a Belém. Em meio às homenagens pelos 394 anos da cidade, foi a maneira que achei de expressar a minha gratidão por este solo tão gentil.
Fui apenas mais unzinho. Muitos apaixonados declararam seu amor por Belém e das mais variadas formas. Acompanhei. Em shows, em reportagens especiais, em programações temáticas, exposições, testemunhos emocionados nos veículos de comunicação. Poesias, confissões, canções. Belém merece.
Não quero ser aqui, um desmancha prazer. Mas nem tudo são flores. Vou fechar este mês, com algumas necessárias reflexões.
Belém tem problemas graves e a cada dia clama para que seus enamorados a acudam. Assim como a bela de Toboso, a cidade anda por demais vexada ante inúmeros e insidiosos dragões.
Agora, pela época da chuva, é uma consumição só. Um respingo de nada é suficiente para a cidade submergir. E a gente, para garantir a rotina, tem que se arriscar com a água até aqui, ó, com o risco de sair lá no seco, no mínimo, com duas ou três ‘chamichugas’ serpenteando atrevidas na batata da nossa perna.
O trânsito é outro tormento. Deu de tardezinha, já era. O Entroncamento faz jus ao nome (todos os carros, todas as vidas, os ácidos humores e as indizíveis dores, unem-se em um tronco só) e aí, quem desata?
Educação, saúde pública, lazer e zelo ambiental fazem parte de um feixe de direitos que tentamos a todo custo abrigar entre as mãos, mas quite. Escapolem. Fogem da gente. Ganham rumo ignorado. E a gente, olha, atrás...E fala...E luta...E vota...E quando a gente pensa que vai conseguir, quando a gente bota fé que o governo tal vai dar aquela força...Nada...Os nossos sonhos se esvaem, escapolem de novo...
O dragão que se materializa com toda brutalidade e nos assusta, e nos acossa e nos reprime com mais intensidade e fogo é, com certeza, a violência. Não digo que a tensão social é um privilégio nosso, mas por ser Belém uma cidade do bem, por ser nossa cidade, aquela Belém da memória, aquela da saudade, uma cidade de paz que nos permitiu tantas vezes sentar à porta para apreciar o movimento da rua, não conseguimos digerir este estado de violência que vivemos. E não aceitamos isso.
A cada esquina, um risco. E não mais nos escondidos do subúrbio. Não há segregação para o mal e nem para as más intenções. As coisas acontecem descaradamente, a olhos vistos e ninguém está livre de ser hostilizado.
A violência, entretanto, não se realiza apenas no argumento covarde de uma arma. Somos agredidos de várias formas, e de igual maneira, covardes. A toda hora somos atazanados pela barulhada que impera na cidade. Nos reduzimos ante uma perversão sonora que se alastra como uma praga indomável. A todo instante, dezenas de decibéis invadem nosso cérebro despejando pelo caminho graves latejantes, agudos irritantes, versões bizarras, produtos, berros entrecortados, serviços, reverberações, batidões e a irrefutável falta de educação. E nos transformam em bagaço de gente. Poroso, inquieto, nervoso. E nos acendem as lâmpadas dos olhos, inadvertidamente, em plena hora do sossego, do estudo, da reflexão. Somos obrigados a nos divertir com a diversão dos outros. E ainda: estamos perdendo nossos jovens para os vícios, espreitas vis e para os enxerimentos on line. Um mix venenoso que corrói o fígado e a sensatez dos nossos meninos.
Mas Belém é celeiro de um povo conquistador. Tenho esperanças. Podemos trazer a nossa Belém de volta. A Belém de paz, do conforto social, da realização cidadã. Vale a pena apostar nisso e reagir. Porque amamos Belém.

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