domingo, 28 de fevereiro de 2010

Crônica da semana-Raimundo Sodré

E põe magia nisso

Não foi à toa que a Unidos da Tijuca foi campeã do carnaval. A Escola arrasou demonstrando que a mulher é capaz de executar a proeza de mudar de roupa em uns poucos segundos.
Animava-se em mim, um fio de esperança quando, a um piscar de olhos, as bailarinas trocavam os modelitos à frente da Escola e despontavam para o mundo, imediatas e gentis.
Só na cabeça do Paulo Barros e nas raias insondáveis da fantasia foi possível tal bênção. Só mesmo protegida pelos argumentos da magia é que se pôde sugerir tamanha graça se consumar. Porque aqui em casa...
No domingão, é um pé pra acontecer d’eu ficar tiririca com ‘las linãs’ da minha vida. Mesmo que a gente combine tudinho, sempre emperra.
Destaco o domingo, porque é um dia relaxado, dia de ‘no stress’. Tem a praça da República, a feirinha de artesanato, um show no anfiteatro, água de coco, Bar do Parque, almoço diferente...
A gente até que se avia logo, eu e o menino. Coloco a minha farda de domingo (uma camisa, uma bermuda e uma ‘percata’, conjuntinho renovável impreterivelmente a cada liquidação de janeiro). Passo rapidola o pente no cocuruto (sabe, vejo que sou um dos poucos a dar ibope àquele pente vendido ali na beirada do Ver-O-Peso, de plástico azul-bem-clarinho-que-dobra-chega-faz-curva- quando-arrastado- sobre- o- cabelo e que nem Flamengo é) e já tô pronto. O filho, nem pente usa, é da turma dos desgrenhados. Dispensamos o café e aguardamos lá na frente, num pé e noutro.
Mas as duas...
A mulher, pisa, pisa, abre gaveta, fecha gaveta, sobe, desce, sai pra fora, entra pra dentro e não tá nem aí para os vícios da linguagem ou do adorável gênero. Reclama com a menina, diz ‘já vou’, quando grito ‘umbora que já vai dar dez horas’, lá da frente. Procura o maldito par daquela sandalinha rosa, constrói estilo, pinta uma idéia, desfaz tudo ‘que estava até bonito’ segundo a minha opinião lá de longe; resmunga alguma coisa e afirma taxativa, que não entendo nada. Nessa hora faço uma incursão ao front para ver como estão as coisas. E fico passado.
A filha pega uma escova e fica, fica, dizque penteando o cabelo (sempre acho que o que ela faz é continuar um soninho deselegantemente interrompido), quando torna, abre gaveta, fecha...diverge da a mãe e me desmonta com um olhar ameaçador. Vou-me embora de novo lembrando que ‘se tiver rolando algum show lá na praça, a essa hora, já está no finzinho’.
Passo na cozinha e pego um bico de pão com café, porque ninguém é de ferro e procuro termo.
Quando enfim, está todo mundo etiquetado, e já no rumo da diversão, volta tudo. Cadê as carteirinhas da meia-passagem. Ninguém sabe aonde deixou e a casa é posta abaixo. No vácuo, a menina encasqueta com aquele shortinho bacaninha e opta por uma saia balonê (que eu, na minha ignorância, acho cafonérrima), mas segundo a mãe, ‘deixa, deixa, é coisa da idade’. Estranho, as duas usam um batom acetinado, sem cor.
Saímos na batida da campa. Da minha programação só acho possível o Bar do Parque e um almoço logo na sequência (porque os filhos na largada anunciam que estão com fome. Dou uma bronca dizendo que a culpa é deles, porque eu já estava pronto desde que tempo e a gente poderia ter aproveitado que acordamos nove horas da madrugada, para tomar um café reforçado lá na feira da Pedreira, mas agora não dá mais, e pôxa, o domingo já está indo). Dali até á praça, como houvéssemos comido abiu, ninguém fala mais nada. No stressssss.
Animava-se em mim, um fio de esperança quando, a um piscar de olhos, as bailarinas trocavam os modelitos e despontavam imediatas. Mas quite, pura magia. E põe magia nisso.

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