Era a Semana de shows das bandas marciais das escolas de Belém no campo do Remo. Naquela manhã, muitas escolas de Belém já haviam se apresentado e o show continuaria pela parte da tarde. Muitos estudantes formavam torcidas organizadas, claro, para darem apoio moral às bandas. O problema é que daí para os confrontos entre torcidas era um passo só.
Como já era comum, nos idos da década de 70 (século passado), havia uma rixa entre o
'Paes de Carvalho" e o "Augusto Meira". Isso toda a Belém sabia. A mamãe só me deixou ir ao "estádio" depois de eu assinar 50 vias de papel me comprometendo a não me meter em confusão, senão.... vocês já sabem o que aconteceria. O papai nem sonhava que eu estava lá, no meio da "galera" torcendo pelo colégio.
Então, saindo do campo do Remo, eu devidamente desidentificado, isto é, sem uniforme do colégio, comecei a ver alguns pequenos confrontos entre alguns alunos de colégios distintos. Aquilo já começou a me deixar preocupado. Mas, como eu estivesse neutro nessa história toda, não sofri nenhuma tentativa de agressão por parte de nenhum colégio arqui-inimigo do "Paes de Carvalho". Até hoje não entendo como é que o colégio inspirava tanto ódio em outros alunos.
Pois bem, eu descia a pé, juntamente com a minha torcida organizada, quando o grupo resolveu passar em frente do colégio Augusto Meira. A cena que agora passo a relatar ficou gravada na minha memória como fica marcada numa camisa branca a mancha do açaí... Vi de repente o grupo se desfazer em vários elementos desordenados correndo para as mais variadas direções. Gritos de desespero de pessoas que estavam nas paradas de ônibus, misturados a uma pancadaria selvagem entre os estudantes que se embolavam nas calçadas; mulheres com crianças no colo correndo desesperadas... E eu ali, mais perdido que cego em tiroteio. Foi quando o grupo ao qual eu estava ainda coeso se abriu de vez me deixando sem saber o que estava acontecendo. Olhei para o alto. Próximo das copas de mangueiras situadas naquele perímetro do colégio, vi de dois a três "braços" de carteira , girando no ar, como se fossem aviões de ataque kamikasis, um ao lado do outro. Giravam flutuando perigosamente em direção das cabeças inocentes. Pedestres, alunos e outras pessoas que por ali estavam naquela hora corremos para o outro lado da rua. Havia uma entrada para uma vila. Desesperadas, as pessoas se "danaram" a entrar nas residências próximas para conseguir abrigo diante de tamanha sandice. Os moradores trancavam suas portas e janelas desesperados, sem saber o que era tudo aquilo na vila. Não entrei nas casas, mas corri com um grupo de colegas para a tal vila. A desgraça da vila não tinha saída!!! Ficamos num beco sem saída, literalmente! Desesperados, corríamos desnorteados enquanto a batalha continuava a se dar entre o fim da vila e as paredes das casas... Como eu estivesse de camisa branca, ninguém sabia de que "facção" eu era. Escapei de fininho da vila, sem um arranhão. Corri para a avenida Magalhães Barata, que naquela época dava sentido para o centro, peguei o ônibus Batista Campos e pude descansar aliviado, deixando para trás o campo de batalha. Naquela altura do campeonato, as pessoas dentro do ônibus comentavam a falta de educação dos alunos. Eu só fazia ouvir o blá-blá-blá maledicente.
Próximo a igreja de Nazaré, lá estava uma parte da minha torcida caminhando na rua e alegremente cantando despreocupados fazendo muito barulho. Um convite para eu descer do ônibus e me juntar aquela gostosa e "inocente" algazarra de adolescentes... Foi a minha desgraça! Diz-se que "urubu quando está de azar, o de baixo caga no de cima". Quando eu me imaginava feliz e lampreiro no meio da minha "patota", todo feliz por fazer parte do grupo da torcida do melhor colégio da cidade, eis que chegam quatro viaturas da Polícia e nos fecham em cerco! "P... QUE PARIU!!!" Foi o que ouvi naquele momento. Um camburão se abriu na minha cara e não sei quantos PMs vestidos de verde-oliva avançaram de cacetetes ameaçadores e luvas brancas na nossa direção. Os meus colegas gritavam para que ninguém entrasse em pânico porque o diálogo é a melhor arma... Bem, nunca fui muito de acreditar nessa tal filosofia do diálogo, não é mesmo? Afinal, era o período da ditadura militar e quando você se encontra prestes a cair nas mãos do pelotão de choque da polícia, a primeira coisa que se pensa é: PERNAS PRA QUÊ TE QUERO... Outra vez, como mancha de açai em camisa branca, aquela cena desesperadora ficou impressa na minha memória. Vários colegas sendo "engravatados" pelos PMs, lindas colegas sendo arrastadas para dentro dos camburões, as pessoas nos olhando e xingando, os gritos de "CORRE! CORRE!" misturados aos chutes e golpes de imoblização despejados pelos PMs sobre meus colegas.... Minha nossa! Pensei, se o papai fosse me buscar na delegacia, aí sim eu seria um reles arremedo de moleque Dias.
Nestas situações de desespero, dizem os especialistas, a adrenalina atinge níveis altíssimos capazes de fazer uma pessoa comum erguer sozinha um carro de algumas toneladas... Pois bem, eu era magrela, amarelão e baixinho (ainda continuo baixinho, só que agora mais gordinho, fofinho e bonitão)e de repente minhas pernas me alçaram em um vôo que nem eu sei como consegui, me levando para trás da igreja de Nazaré, a 14 de março.
Enquanto a PM se fartava no meio da torcida, eu descia a ladeira da 14 de março acompanhado por alguns colegas e policiais em perseguição. Minhas passadas atingiram marcas recordes comparáveis as dos atletas em corridas de 100 metros. Nunca imaginei que eu pudesse voar com as pernas...
Hoje eu devo essa ao velho e bom Zé Dias que um dia me botou para praticar corrida no ginásio de educação física, por intermédio de uma sua prima que era professora de educação física (madrinha do Zé Maria). Ter aprendido um pouco de técnica de corrida me ajudou e muito naquela conturbada manhã de setembro... Escapei, milagrosamente, de duas surras: a dos PMs e uma que seria talvez a mais pior de todas, a do velho Zé Dias... Quem quiser que conte outra.
4 comentários:
Então acho que agora posso contar sobre a porrada que rolou nas imediações/ interior do Centrão durante cerca de uma semana, envolvendo o falecido Márcio, o Demétrio e mais uma molecada que esteve a um passo da marginalidade (fora eu).
Há há há, não sei porque o receio de contar essas histórias, afinal todos já são adultos. Mas o pobre arremedo de moleque Dias estava inocente no meio da porrada.
Isso era semana da Pátria ou era Halloween??KKKKKKKKKKK
Caramba, quando penso que já sei tudo sobre as peripécias de vocês, é quando me surpreendo mais.
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