sábado, 8 de maio de 2010

Crônica da semana -Raimundo Sodré

Mãe só tem uma

E a minha mãe é a melhor mãe do mundo. Tá legal, todo mundo tem a melhor mãe do mundo. Só que vou reivindicar este privilégio para mim, agora, tá. Conto já já, o porquê desta presunção.
Minha mãe tinha várias qualidades. Já contei algumas, neste espaço (e a que me vem assim, rapidola, só para relembrar, era a visão avançada das coisas. Uma virtude expressa numa das propagandas que ela mesma produzia e rodava na rádio cipó, para uma barraca de confecções que tínhamos na feira da Pedreira. Uma pérola que dizia assim: “Barraca Santa Luzia, confecções da mais fina estampa, elegância em fio de escócia, algodão, lycra. As novidades da moda feminina e artigos variados para o conforto das crianças e a boa pinta dos rapazes. Temos também, batonzinho da Avon, creme Shen e toda a linha de desodorantes da Cristhian Grey. Barraca Santa Luzia, em frente ao bazar Brasil”. Embora a gente alertasse que o reclame se excedia na divulgação dos produtos de multinacionais do cosmético e do afamado bazar Brasil, a mamãe nem ligava. “O negócio é a referência”, sustentava Luzia, altiva, enfática. Mais tarde, por causa da consagração de um comercial da empresa de aviação Cruzeiro do Sul, que ao final da propaganda colocava a musiquinha da concorrente (um tanran ran/ tanran ran/ tanran ran de poderosíssima pressão subliminar) deixando claro que o seu prédio ficava bem em frente ao escritório da ‘Varig Varig Varig’, é que fomos perceber que a mamãe estava coberta de razão.
Um outro traço marcante na mamãe era a perseverança, a busca incessante. Tenho vários exemplos. Posso citar um bem radical e ao mesmo tempo, espirituoso... Tínhamos também, o inevitável ‘crediário Santa Luzia’ e eu fazia as vezes de prestação. Vendia de porta em porta, ia pras cobranças e depois, tinha que me ver com a sabatina da mamãe:
- Sim, tu chegaste lá e aí...
- Eu disse: “a mamãe mandou dizer pro senhor mandar a encomenda dela”.
- E ele?
- Ele disse que não tinha naquela hora e que era pra eu passar pra semana.
- E tu?
- Eu falei: “a mamãe mandou dizer que é pro senhor fazer uma forcinha e pagar a prestação porque ela tá encalacrada”.
- E ele?
- Ele disse que não podia fazer nada e que não tava ajuntando dinheiro com gancho por aí, por isso eu tinha que ter paciência e voltar pra semana.
- E tu?
- Aí, eu disse pra ele que ia lá na Passagem do Arame, depois lá na Dr. Freitas. Voltava pela Marquês, depois ia ver o finzinho do jogo no campo do Asas e depois passava de novo pra ver se ele conseguia um ‘por conta’.
- E ele?
Bom, aí já viu, né. Se eu desse corda, o diálogo ‘e ele/e tu’, não acabava nunca. Eu até gostava. Segurava a conversa, porque exercitava a minha criatividade. O certo é que depois do segundo ‘e ele?’ eu ia inventando porque o pagamento já estava prometido pra semana mesmo, e não tinha jeito.
(Este é um mês terrível para mim. Perdi mamãe no dia seguinte ao meu aniversário, às vésperas do Dia das Mães, e logo depois de nos termos prometido amor eterno. Isso me dói. Me dói...Depois daquele tristíssimo 15 de maio de 1998, quando ia chegando o mês da mães, eu vinha ficando pra baixo, ensimesmado, escrevendo textos comovidos, doloridos. Mas hoje não. Hoje resolvi mostrar esta face extraordinariamente moderna, instigante, bem humorada de minha mãe. A melhor mãe do mundo por causa deste amor infindável -que nos prometemos- e que me sara e me cuida com ‘certeza e altivez’ e bom humor, como era o seu estilo. E isso, essa lembrança boa de minha mãe me conforta tanto que, olha só, dessa vez, nem chorei).

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